Há momentos marcantes na vida das sociedades. Há momentos que o passar voraz do tempo não apaga. Há momentos traumáticos. Há momentos que devem ser relembrados e reflectidos. Hoje, dia 4 de Dezembro de 2010, assinalam-se os trinta anos do crime fatídico que vitimou (entre outros) o primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro. Um crime que passou impune, sem que o Estado português apurasse os seus responsáveis. Pior: sem que o Estado português se tenha esforçado para investigar - com rigor, método e observando o princípio da legalidade - os motivos, os contornos da execução e os agentes do crime de Camarate. Hoje, dia 4 de Dezembro, apostamos que deve haver muita gente a fazer um acto de contricção por actos - e (sobretudo) omissões! - tomados que, como já é hábito em Portugal, conduziram a que a (mais que provável) responsabilidade criminal prescrevesse. Um Estado que trata o assassinato do seu Primeiro-Ministro e do Ministro da Defesa com tal leviandade não se dá ao respeito. Não se leva a sério.
Porém, fiquemos por aqui quanto a este ponto. Felizmente, já há uma extensa bibiliografia (vide o novo livro de Freitas do Amaral, muito crítico para com Cunha Rodrigues,antigo Procurador-Geral da República), onde poderá consultar os detalhes daquilo que o Estado português não fez para honrar e respeitar alguém que o serviu com lealdade e convicção. Convicção. Esta é a palavra-chave para explicar a admiração (nostalgia?) que os portugueses sentem por Francisco Sá Carneiro. A súbita vaga editorial de obras sobre o homem, o líder, o político, o lado lunar, o mito do histórico e marcante social-democrata é sintomática de um vazio de liderança. Da percepção de que a elite política portuguesa actual não está à altura das exigências e desafios do nosso - difícil, muito difícil! - tempo. Sá Carneiro faz-nos muita falta. Não o homem em si - mas tudo aquilo que ele representava: a coragem, a determinação, a obstinação saudável própria daqueles que querem construir, que querem mudar ideias e práticas erradas. Que querem lançar as sementes do futuro. Que querem uma sociedade mais solta do poder asfixiante do Estado. Enfim: daqueles que querem servir Portugal e não servirem-se de Portugal. Uma ultra-minoria,portanto,nos tempos que correm.
O mito é o nada que é tudo. Perante a falta de lideranças carismáticas, galvanizadoras e de confiança, os portugueses procuram um messias - uma válvula de escape moral colectiva que permite continuar a acreditar no futuro, mantendo a luz (às vezes, pouco intensa) da esperança ao fundo do túnel sombrio que atravessamos. É sempre positivo ter referências. Exemplos. Não numa perspectiva saudosista - pelo contrário, precisamos de referências para estimular, para agir sem medo, com seriedade e espírito de missão. Acreditar que Portugal é viável e possível - eis a grande lição de Sá Carneiro. Ele que, apesar das contingências de saúde, problemas pessoais, nunca virou a cara ao desafio político. À participação política empenhada e lúcida. Mesmo quando o seu partido lhe complicava a vida -e tantas vezes isso sucedeu! Como não lembrar a cisão de um dos co-fundadores do partido e do grupo das "Opções Inadiáveis"? Como não evocar o abandono de parte significativa do seu grupo parlamentar, complicando o combate político, num tempo e numa época, em que a AR era o centro do confronto político? Onde ainda não havia a mediatização e, logo, a mensagem era mais difícil de passar?
Volvidos 30 anos do seu desaparecimento, não há congresso, comício,sessão do PSD em que não apareça alguém a elogiar apaixonadamente Sá Carneiro. Desde o presidente da secção mais pequena até ao Presidente da Comissão Política Nacional. A pergunta que se impõe é, no entanto, saber se o PSD tem honrado o legado do seu fundador. A marca de distintiva de Sá Carneiro foi o saber romper, de ser catalisador da mudança. De inspirar e envolver os cidadãos num projecto colectivo. Note-se que eu nasci depois de camarate. O conhecimento que tenho de Sá Carneiro obtive-o através de testemunhos, de livros, de estudo. Apesar (ou também por causa?) de todos os seus defeitos, erros e calculismos - quem não os tem? - , que político fascinante foi Sá Carneiro! É destas referências que a minha geração precisa. Porque, pese embora não tenha vivido o Portugal sá-carneirista, sei que a convicção é o primeiro passo para a confiança - esta é a minha crença inabalável. E é o legado mais duradouro que Sá Carneiro me deixou. Nos deixou...
E se Sá Carneiro não tivesse morrido?
Comentem.
O Vice Presidente da CPS JSD Celorico da Beira
Jónatas Rodrigues
Fonte: Expresso
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